quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Dois amigos e as pessoas


Num departamento qualquer de uma empresa qualquer, distantes dos funcionários, encostados na parede, um amigo cismado pergunta para um amigo indignado.

-Você tá bem? Esta tão quieto.
-Estou mapeando meu cérebro.
-Mapeando seu cérebro?
-Estou buscando uma região inóspita para me esconder.
-Esta louco?


-Não sei. Estou?
-Eu que te pergunto?
-Quais são os sintomas da loucura?
-Sei lá. Correr pelado na rua?
-Muito mais do que isso amigo.
-E encontrou a tal região inóspita?
-Parece estar tudo preenchido. Não há escapatória. Estamos condicionados a todo esse horror que nos cerca.
-Não exagera.
-Como não exagera?! Veja só esse lugar. Mil pessoas falando ao mesmo tempo. Sorrindo um sorriso falso e desgastante. Devorando uns aos outros com suas invejas, mentiras, egoísmo e ganância. Olha só a Regina, chegou aqui faz duas semanas e já esta saindo com o chefe. E o pior é que há um mês estávamos no casamento do nosso chefe e a sujeitinha era a garçonete da festa. Aquelas fotos de final de ano...todos abraçados,sorrindo, bêbados! Quanta falsidade! Veja só aquele vaso com aquela planta vistosa; ninguém se quer um dia a percebeu, estava morrendo, apenas eu a rego. E a Flavinha, passa o dia todo julgando e discriminando as pessoas. Ninguém serve pra ela, mas ela mesmo é que não serve pra ninguém. E todo o dia a mesma rotina...as mesmas piadas...futebol as quartas...futebol! Eu cansei de futebol...eu gosto de caminhar e se eu caminho no jogo todo mundo me insulta, e sempre com os mesmos palavrões que em qualquer situação da vida seria um constrangimento, mas no futebol vale tudo, ninguém tem ouvido. Veja bem amigo, os dias se repetem...as coisas se repetem...não estamos evoluindo...é uma ilusão...estamos lutando para chegar aonde?  Escravizamos a nós mesmos. Olhe aí, atrás de você, tem uma enorme corrente presa aos seus pés.
-Aonde?- assustado
- É uma metáfora Jorginho. Estamos condicionados a viver e fazer tudo aquilo que já fizeram ou obrigam que façamos.  Somos manipulados. Temos que despertar nossa consciência.
- Quem obriga?
- Todo o sistema criado por nós mesmos. É um ciclo. Um terrível ciclo. Usamos velhos conceitos...paradigmas cruéis...deixamos a nossa liberdade e excepcionalidade no desfecho inevitável da infância.
- Você anda muito pessimista.
- Eu não sou pessimista. Eu estou apenas sendo realista.
- Mas você esta sendo preconceituoso ao afirmar que o mundo é assim. Você não se relacionou com 6 bilhões de pessoas para afirmar que a humanidade é cruel. Há pessoas sóbrias...iluminadas...bondosas....cheias de amor no coração.
- Que filme é esse? Quero assistir.
- Você deveria acreditar mais no ser humano. As pessoas mudam. E com certeza, no seu caminho, há pessoas maravilhosas.
- No meu caminho só tem pedras!
- Chega Bernardo! Você esta estragando meu dia!
- Mas o dia já esta estragado!
- Só se for o seu. O meu dia é sempre bem-vindo e agradável!
- Precisamos acordar pra vida, fazer algo realmente verdadeiro.
- Então acorda!
- Acorda você!
- Acordar. Acordar. Nós dois estamos acordados Bernardo! Eu levantei da cama eram 7 horas da manhã e  não foi diferente com você! Estamos acordados! Essa é a verdade.
- A verdade é que devemos amar as pessoas apesar de suas imperfeições, apesar de seus erros, amar indiscriminadamente. Amar como um bicho e uma criança amam... gratuitamente. Preste mais atenção na genialidade das crianças...no amor gratuito dos cães e...
-Você tá louco!
-Eu sei. Você também.  – Bernardo arregala os olhos e agarra os ombros de Jorginho.Parecia outra pessoa. - Agarre o abstrato, apenas o invisível dará sentido a essa vida.
-Poxa, em plena segunda-feira  e você com esse papo nada vê!
-Veja só. Tá vendo o Assunção.- aponta para o Assunção que caminha na direção dos dois. - Boa pinta. Mulherengo. Subiu de cargo. Metro-sexual. Preste atenção. Assunção!
-  Como vai Bernardo?
- Na luta. Sempre na luta.
- Um dia vai chegar onde estou. Tenho certeza. Tem capacidade pra isso rapaz!
- Tchau Assunção. Até mais ver. – inconformado - Tá vendo, o cara esta preso a um dos piores paradigmas desta sociedade, a de que o sucesso está ligado unicamente ao poder aquisitivo. Sucesso é subjetivo e não cabe a ninguém medi-lo ou defini-lo.  E quem disse que quero estar onde ele está? Aquele escritório nem ar-condicionado têm!
- Deixa o cara. Ele tá curtindo o momento.
- Você consegue enxergar  toda essa loucura?
- Consigo...não tão a fundo...mas consigo. Mas vai fazer o que? O que importa é que não fazemos parte dessa corja.- coloca as mãos no ombro de Bernardo encerrando o assunto, empurrando o amigo para o “cantinho do café” -Vamos tomar um cafezinho meu amigo.
- Mas antes me faça um favor  Jorginho, me tire desse hospício já e me leve para um manicômio!

E os dois foram tomar o cafezinho nosso de cada dia na salinha onde tudo acontece. Bernardo mais "calmo e lúcido" chama Jorginho de canto e dirige o olhar a uma funcionária chamada Florinda.

- Tá sabendo da Florinda?
- Não. O que tem ela?
- Tá saindo com o Tadeu.
- E o que tem isso?
- O que tem isso? Não se lembra do Tadeu?
- Sim. Aquele gordinho de óculos, com uma verruga no meio da testa que mais parece uma jabuticaba.
- Então poxa...o cara é muito feio...mas acabou de assumir a diretoria. Entendeu?
- Sim. Sempre desconfiei da Florinda...não vale nada...vai dar o golpe do baú.
- Só pode ser...o cara é muito feito e ela...você sabe...é a gata da empresa.
- Quem fez esse café?- muda de assunto com uma expressão nojenta.
- Deve ter sido aqueles estagiários metidos.
- Isso aqui tá horrível!!! Que bando de incompetentes!!!

E assim saíram do cantinho do café, com muito amor e bondade no coração, com asas de pássaros nas costas e uma auréola sobre suas cabeças.

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