terça-feira, 25 de outubro de 2011

dias, horas e anos

dias que vivo meio dia
dias que vivo semanas

horas que vivo segundos
horas que vivo dias

anos que vivo meses
anos que vivo décadas

dias que vivo...
...que não vivo
dias que sigo

e assim adiante
o trilho e o trem


Diego Rossi

domingo, 23 de outubro de 2011

Causa da Alma


No entanto não poderia desistir de você
Por que desistiria de mim
Pois sou assim como você
Tão humano quanto

Como é bom ser a causa de uma luta
Como é bom ser a luta de uma causa
Causa humana
Amar - coração
Acreditar - coração
Cativar - coração
Mudar - razão
Calma

Se não o sorriso na face
Se não as flores na alma
Se não o doce no coração
De que valeria a pena lutar por alguém?

Diego Rossi

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A verdadeira história do “ Lobisomem de Timburi”

              
        Quando criança, na cidade de Timburi-SP todos comentavam a existência de um homem lobo, que nas noites de lua cheia, saía noite adentro a procura de suas vitimas para beber seu sangue, enquanto uivava feito lobo, todos aqui sabiam quem era ele...vamos contar o milagre sem mencionar o nome do santo. Nós éramos amigos de seus filhos, até brincávamos juntos, porem tínhamos em mente que a maldição do lobisomem, segundo dizia os meus avós, um dia recairia no seu filho mais velho. Em assim sendo, a saga continuaria...Esse homem no seu aspecto físico era impressionante, potencializada ainda mais pela lenda que rondava sua figura. Ele era magro, alto, forte, sua pele avermelhada, coberta de pelos brancos, que desciam em seus braços ate o dorso das mãos, suas unhas crescidas pareciam convertidas em garras, seus olhos vermelhos pareciam estar sempre com conjuntivite, quando ele olhava para nós, sentíamos um calafrio e o coração gelar, e todas as sextas feiras de manhã, assistíamos um espetáculo dantesco. Naquele tempo em frente ao antigo campo de futebol, havia um abatedouro de gado, que ao sangrarem o animal, ele, o homem lobo, imediatamente aparando com sua caneca apanhava o sangue que jorrava e levando a boca bebia tudo avidamente, víamos isso aterrorizados. Um certo dia, numa sexta-feira santa, noite de lua cheia, após 22 horas, o Zé Gatti encerrando o serviço de alto-falante, A Voz de Timburi, no cine Sta. Cruz, fez-se um silencio sepulcral, apenas o vento soprava agitando as folhas das árvores. Eu e meus amigos que brincávamos no pátio da igreja matriz, vimos uma tétrica figura se esgueirando ao lado da sua casa, que ficava ao lado do casarão da esquina ( hoje centro comunitário 1 ). Atravessando o portão, ele ganhou a rua empoeirada e mal iluminada e começou a caminhar em passos largos, descendo a rua. Alguém entre nós perguntou: quem tem coragem de ver um lobisomem em ação?...como todos se levantaram, ele completou – então vamos sondá-lo, e assim procedemos, não sei onde encontramos tamanha coragem para tanto, mas começamos a seguir o tal homem lobo, e na medida em que descíamos a rua, a uma certa distância no seu encalço, não havia mais luz artificial, alias, nem haviam postes, somente a luz da lua que brilhava intensamente. Depois de atravessarmos o antigo campo de futebol, ao lado da mangueira do matadouro, tinha uma chácara cercada de pau a pique a qual ele saltou com a habilidade de um lobo. Dentro deste cercado meu pai criava alguns animais, dentre esses animais  galinhas do pescoço pelado. Ao chegarmos na mangueira do matadouro, subimos nela utilizando os vãos das tábuas, já em cima, vimos quando o homem pegou uma galinha e em meio aquela barulheira, ouvimos também um longo e tenebroso uivo, no instante em que ele arrancou o pescoço da ave e bebeu seu sangue, apertando-a como se fosse uma laranja. O meu amigo, o mesmo que teve a bendita idéia de seguirmos o tal homem lobo, sussurrou que estava com muito medo, dito isso saltou de cima da mangueira, porém, sua camisa enroscou em um prego e ele ficou pendurado gritando – socorro...socorro, pelo amor de Deus seu lobisomem, não me mate, e não me chupe..., instante esse em que sua camisa rasgou e ele foi para o chão e começamos uma desesperada carreira rua acima, e parecia que quanto mais corríamos, mais sentíamos o fungar do lobisomem na nossa nuca, até que alcançamos a rua do meio, iluminada, olhamos para traz e não vimos mais ninguém parando assim para recuperar o fôlego. No dia seguinte por incrível que pareça, o homem procurou o meu pai e pagou pela galinha, e o uivo que ouvimos lembrei-me, era do nosso cachorro americano que vigiava a chácara. Anos se passaram até que um dia comecei a compreender a razão do estranho hábito desse homem que acabaram criando essa lenda em torno de seus poderes sobrenaturais, e com isso o medo, preconceito, e a superstição das pessoas. Hoje, eu compreendo de como a sua vida devia ter sido atormentada, ele nunca fez mal a ninguém, o que ele possuía era uma rara doença chamada “Porfiria Congênita”, as porfirias são um grupo de doenças genéticas cuja causa é o mal funcionamento da sequencia do grupo Heme de Hemoglobina ( a Hemoglobina é o pigmento do sangue que faz com que este seja vermelho ), o grupo Heme é quem transporta o oxigênio dos pulmões para as células do organismo e qualquer erro na hereditariedade que interfere na síntese do grupo Heme é capaz de produzir as doenças chamadas Porfirias. Agora vamos compreender esse homem, o triste personagem da nossa história.
          1)     Foto sensibilidade; a luz solar produz sérias lesões na pele
          2)  Pigmentação. A pele pode apresentar também zonas de pigmentação ou de despigmentação e hirsutíssimo, ou seja, a formação de pelos exageradamente em lugares não habituais, como nos vão dos dedos e no dorso das mãos, com finalidade do organismo se proteger da luz, evidentemente que esses pacientes preferem sair quase que exclusivamente à noite.
        3)   As porfirias são doenças genéticas incuráveis, mesmo que alguns sintomas não possam ser aliviados, atualmente o principal tratamento para algumas porfirias, é a injeção de concentrados de glóbulos vermelhos ( hemácias ) ou soluções do grupo Heme. O nosso homem naquele tempo logicamente não podia fazer uso dessas injeções, e com a carência de Heme ou ferro fez com que ele desenvolvesse esse estranho habito de beber sangue animal e com isso aliviar os sintomas. Algumas pessoas diziam que ele se imaginava lobo e imitava seus grunhidos, e isso nunca foi verdade porque se ele assim procedesse seria possivelmente o delírio licântropo, uma enfermidade mental que fatalmente leva a pratica de crimes horrorosos pela sua tendência canibal, por sorte o nosso homem em questão nunca teve essa enfermidade que a psiquiatria chama Licantropia. 

O Assassinato de Tyler Dillinger



CONTO DE YURI RODRIGUES


Conheci Tyler Dillinger em um tempo em que eu desconhecia até a mim próprio,
em uma época de incertezas, em um ano de grandes crises econômicas,
um momento que eu evitava fazer amigos, quando o mundo ainda era simplesmente
o mundo e as coisas aparentemente eram normais.

Tyler ajoelhado diante de mim implorando por misericórdia, Tyler está trêmulo e
aparentemente pálido, não sei se é a altura que o faz mal ou se é o cano gélido de
minha Desert Eagle encostado um pouco acima de sua nuca. O tiro será perfeitamente
fatal, a essa distância irá atravessar o crânio fazendo um buraco que aproximadamente
será do tamanho de um limão ao sair pela outra extremidade da cabeça, danificando
grande parte do cérebro, principalmente o hipocampo e parcialmente o córtex,
impedindo qualquer tentativa de salvação à vida e a mente sórdida deste infeliz.

Tyler se desespera porque sabe disso, ele sabe por que eu também sei e por isso
seu desespero aumenta.

Neste momento você está me considerando um monstro ou psicopata, apesar
de não me importar com o que você pensa, acredite, Tyler fez por merecer,
ele não precisa de uma segunda chance porque Tyler não tem salvação.

Seis meses atrás Tyler me disse que viu em um filme que uma bala nunca mente,
neste caso não irá mentir, nunca antes na história uma Desert Eagle 44 Magnun falhou.

Suas teorias sobre como o mundo funciona e seus atos implicaram em conseqüências
que agora custamos a tentar superar, Tyler sempre possuía um motivo, sempre
me convencia de que estava certo e pela primeira vez ele sabe que não está no
controle e isso o aterroriza.

Nos próximos cinco minutos estará consumado. Estamos a aproximadamente
300 metros do chão, na cobertura de um edifício de 142 andares, Tyler algemado,
sentado em uma cadeira na beirada da laje, isso tudo porque Tyler tem
medo de altura. Anteriormente tomei as medidas necessárias para prevenir
qualquer possibilidade de erro, Tyler merece uma morte com estilo, afinal
foi ele que me ensinou tudo isso.

Ele sabe que não vou errar e está muito apreensivo, agora Tyler se acalma um
pouco.

“Você não precisa fazer isso.”

O desgraçado está tentando me manipular, é claro, agora ele pensa que eu já
não sou tão capaz e que há uma chance de isso ainda não acontecer.

“Tanto eu quanto você sabemos que há outra saída, formamos um bom time,
podemos arrumar toda essa bagunça.”

“Não, não podemos.”

“Você sabe que sim, me solte e poderemos conversar como nos velhos
tempos, vamos reconstruir nossas vidas.”

Provavelmente ele está pensando que sou algum otário, eu jamais acreditaria em
algo assim.

“Sinto muito Tyler.”

Em um breve instante, o momento em que meu dedo indicador puxa o gatilho,
o coice, o seco som da arma e o projétil explodindo na cabeça dele parecem
durar bem mais do que realmente aconteceu. Viro-me, estou caminhando em
direção as escadas, ouço um breve bip, volto até o corpo de Tyler, abro sua camisa,
encontro uma bomba.

O desgraçado agora irá levar consigo milhares de pessoas que estão no interior deste
edifício, Tyler foi mais inteligente, em 60 segundos estarei junto a ele aonde quer
que ele esteja, posso imaginar ele rindo descontroladamente de mim agora.




quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Dois amigos e as pessoas


Num departamento qualquer de uma empresa qualquer, distantes dos funcionários, encostados na parede, um amigo cismado pergunta para um amigo indignado.

-Você tá bem? Esta tão quieto.
-Estou mapeando meu cérebro.
-Mapeando seu cérebro?
-Estou buscando uma região inóspita para me esconder.
-Esta louco?


-Não sei. Estou?
-Eu que te pergunto?
-Quais são os sintomas da loucura?
-Sei lá. Correr pelado na rua?
-Muito mais do que isso amigo.
-E encontrou a tal região inóspita?
-Parece estar tudo preenchido. Não há escapatória. Estamos condicionados a todo esse horror que nos cerca.
-Não exagera.
-Como não exagera?! Veja só esse lugar. Mil pessoas falando ao mesmo tempo. Sorrindo um sorriso falso e desgastante. Devorando uns aos outros com suas invejas, mentiras, egoísmo e ganância. Olha só a Regina, chegou aqui faz duas semanas e já esta saindo com o chefe. E o pior é que há um mês estávamos no casamento do nosso chefe e a sujeitinha era a garçonete da festa. Aquelas fotos de final de ano...todos abraçados,sorrindo, bêbados! Quanta falsidade! Veja só aquele vaso com aquela planta vistosa; ninguém se quer um dia a percebeu, estava morrendo, apenas eu a rego. E a Flavinha, passa o dia todo julgando e discriminando as pessoas. Ninguém serve pra ela, mas ela mesmo é que não serve pra ninguém. E todo o dia a mesma rotina...as mesmas piadas...futebol as quartas...futebol! Eu cansei de futebol...eu gosto de caminhar e se eu caminho no jogo todo mundo me insulta, e sempre com os mesmos palavrões que em qualquer situação da vida seria um constrangimento, mas no futebol vale tudo, ninguém tem ouvido. Veja bem amigo, os dias se repetem...as coisas se repetem...não estamos evoluindo...é uma ilusão...estamos lutando para chegar aonde?  Escravizamos a nós mesmos. Olhe aí, atrás de você, tem uma enorme corrente presa aos seus pés.
-Aonde?- assustado
- É uma metáfora Jorginho. Estamos condicionados a viver e fazer tudo aquilo que já fizeram ou obrigam que façamos.  Somos manipulados. Temos que despertar nossa consciência.
- Quem obriga?
- Todo o sistema criado por nós mesmos. É um ciclo. Um terrível ciclo. Usamos velhos conceitos...paradigmas cruéis...deixamos a nossa liberdade e excepcionalidade no desfecho inevitável da infância.
- Você anda muito pessimista.
- Eu não sou pessimista. Eu estou apenas sendo realista.
- Mas você esta sendo preconceituoso ao afirmar que o mundo é assim. Você não se relacionou com 6 bilhões de pessoas para afirmar que a humanidade é cruel. Há pessoas sóbrias...iluminadas...bondosas....cheias de amor no coração.
- Que filme é esse? Quero assistir.
- Você deveria acreditar mais no ser humano. As pessoas mudam. E com certeza, no seu caminho, há pessoas maravilhosas.
- No meu caminho só tem pedras!
- Chega Bernardo! Você esta estragando meu dia!
- Mas o dia já esta estragado!
- Só se for o seu. O meu dia é sempre bem-vindo e agradável!
- Precisamos acordar pra vida, fazer algo realmente verdadeiro.
- Então acorda!
- Acorda você!
- Acordar. Acordar. Nós dois estamos acordados Bernardo! Eu levantei da cama eram 7 horas da manhã e  não foi diferente com você! Estamos acordados! Essa é a verdade.
- A verdade é que devemos amar as pessoas apesar de suas imperfeições, apesar de seus erros, amar indiscriminadamente. Amar como um bicho e uma criança amam... gratuitamente. Preste mais atenção na genialidade das crianças...no amor gratuito dos cães e...
-Você tá louco!
-Eu sei. Você também.  – Bernardo arregala os olhos e agarra os ombros de Jorginho.Parecia outra pessoa. - Agarre o abstrato, apenas o invisível dará sentido a essa vida.
-Poxa, em plena segunda-feira  e você com esse papo nada vê!
-Veja só. Tá vendo o Assunção.- aponta para o Assunção que caminha na direção dos dois. - Boa pinta. Mulherengo. Subiu de cargo. Metro-sexual. Preste atenção. Assunção!
-  Como vai Bernardo?
- Na luta. Sempre na luta.
- Um dia vai chegar onde estou. Tenho certeza. Tem capacidade pra isso rapaz!
- Tchau Assunção. Até mais ver. – inconformado - Tá vendo, o cara esta preso a um dos piores paradigmas desta sociedade, a de que o sucesso está ligado unicamente ao poder aquisitivo. Sucesso é subjetivo e não cabe a ninguém medi-lo ou defini-lo.  E quem disse que quero estar onde ele está? Aquele escritório nem ar-condicionado têm!
- Deixa o cara. Ele tá curtindo o momento.
- Você consegue enxergar  toda essa loucura?
- Consigo...não tão a fundo...mas consigo. Mas vai fazer o que? O que importa é que não fazemos parte dessa corja.- coloca as mãos no ombro de Bernardo encerrando o assunto, empurrando o amigo para o “cantinho do café” -Vamos tomar um cafezinho meu amigo.
- Mas antes me faça um favor  Jorginho, me tire desse hospício já e me leve para um manicômio!

E os dois foram tomar o cafezinho nosso de cada dia na salinha onde tudo acontece. Bernardo mais "calmo e lúcido" chama Jorginho de canto e dirige o olhar a uma funcionária chamada Florinda.

- Tá sabendo da Florinda?
- Não. O que tem ela?
- Tá saindo com o Tadeu.
- E o que tem isso?
- O que tem isso? Não se lembra do Tadeu?
- Sim. Aquele gordinho de óculos, com uma verruga no meio da testa que mais parece uma jabuticaba.
- Então poxa...o cara é muito feio...mas acabou de assumir a diretoria. Entendeu?
- Sim. Sempre desconfiei da Florinda...não vale nada...vai dar o golpe do baú.
- Só pode ser...o cara é muito feito e ela...você sabe...é a gata da empresa.
- Quem fez esse café?- muda de assunto com uma expressão nojenta.
- Deve ter sido aqueles estagiários metidos.
- Isso aqui tá horrível!!! Que bando de incompetentes!!!

E assim saíram do cantinho do café, com muito amor e bondade no coração, com asas de pássaros nas costas e uma auréola sobre suas cabeças.

sábado, 15 de outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ame mais

O sol brilha pra todo mundo, a chuva molha a todos, o vento chega a qualquer lugar, mas se é assim, porque ainda muita gente faz diferença entre umas e outras? Se somos todos iguais não tem porque alguém querer ser melhor do que outra pessoa. Afinal, tudo acaba do mesmo jeito. Eu não sei o que acontece, essas pessoas insistem em querer ser melhor, mas pelo contrário, acabam se tornando piores, pois a sua hipocrisia é maior que tudo. A natureza é tão bela, impecável, as coisas simples são as mais lindas dessa vida. Um corpo bonito, um rostinho ‘’perfeito’’, cabelo bem arrumado e roupas de marca, não fazem a menor diferença. Não somos o que vestimos nem muito menos o que aparentamos, somos o que sentimos, o que fazemos de bom para alegrar quem amamos. Aonde o mundo vai parar com tanta selvageria? Deveríamos valorizar mais a vida, as pessoas importantes que fazem parte da nossa vida, e esquecer-se das coisas fúteis. A felicidade se resume em tão pouco, mais ao mesmo tempo, acaba sendo a coisa de maior importância na vida de alguém. Não faça algo por alguém esperando algo em troca, faça apenas para florescer o sorriso em um rosto triste e sem esperança, pois uma hora você vai ter o que merece, a vida lhe proporciona a escolha de fazer bons atos, pra te- los de volta. E agora me diz, como as pessoas querem mudar o mundo, se nem elas mesmas mudam? 

Amanda Rodriguês


"Seria tão bom se as pessoas soubessem amar, da mesma forma que elas sabem mentir’’.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

JORGE, O MENINO E O VIRA-LATA


JORGE, O MENINO E O VIRA-LATA
de Diego Rossi


Jorge trabalhou durante anos em uma empresa na Av. Paulista. Almoçava quase todos os dias em um restaurante próximo e tinha o hábito de levar a sobra de seu almoço para o serviço, caso sentisse fome mais tarde. Jorge tinha muito apetite, comia a famosa “Marmitex” e alguma coisa a mais. Porém ultimamente seu apetite parecia ter diminuído, talvez alguma indisposição, problemas no trabalho, não importa. Após a refeição Jorge gostava de parar alguns minutos em uma praça e ler alguma revista ou jornal. Nesse dia, como deve ter acontecido em outros, um pequeno vira-lata muito judiado e faminto surgiu e parou a sua frente. Muito provavelmente sentia o cheiro da comida, mas Jorge não se deu conta, ou se deu, mas o certo é que com aspereza espantou o pobre cão que se foi cambaleando de fraqueza.  Minutos depois, em uma esquina, um quarteirão antes de chegar ao serviço, Jorge foi abordado por uma criança de rua acompanhada por um cão. O menino vestia apenas um shorts e um par de chinelos de cada cor, estava magro e com os olhos fundos. O simpático vira-lata ao seu lado não se encontrava muito diferente. O menino pediu dinheiro para comer, mas Jorge racional e cuidadoso imaginou que não seria interessante dar dinheiro àquela criança, pois poderia usá-lo para outros fins que não fosse se alimentar, o que seria difícil pelo estado que se encontrava. Jorge então estendeu sua mão e deu a sobra de sua refeição à criança que agradeceu e atravessou a rua movimentada com seu amigo canino.  Jorge sentiu-se de dever cumprido e orgulhoso de seu ato, mas não tinha visto tudo. Ao chegar do outro lado, a criança se sentou em um banco  e o pouco de comida que dispunha dividiu com seu vira-lata. Jorge levou um daqueles golpes no estômago, lembrou do vira-lata faminto que espantou e percebeu a pureza e beleza daquele instante que presenciava. Logo tomou consciência definitiva que Deus se manifesta em tudo que vive, e tudo que vive merece ser amado e respeitado. Jorge fez sinal para que a criança esperasse e correu para comprar mais uma refeição.

Precisamos enxergar a vida através do olhar puro de uma criança, ou se preferir através do olhar de um singelo, sujo e faminto vira-lata.  


"Todas as coisas da criação são filhos do Pai e irmãos do homem... Deus quer que ajudemos aos animais, se necessitam de ajuda. Toda criatura em desgraça tem o mesmo direito a ser protegida."

São Francisco de Assis


the show must go on

cautelosamente abro a cortina da vida 
e vejo no palco todos nós
 o ator e a platéia dependendo do roteiro
e noto cercado de dúvidas que as máscaras
não moldam perfeitamente as falsas faces
existe um encaixe imperfeito
um dia as tábuas judiadas e envelhecidas do palco as receberá
e ao gesto do ator que arreganha a alma e é pura verdade
  todo sentimento
convenço-me que  nada é tão maravilhoso do que
livrar-se de nossas celas

no ato final
mirando a luz milagrosa
vejo o ator sorrindo tristemente para a criança sentada ao meu lado

Diego Rossi





terça-feira, 11 de outubro de 2011

A DISCRETA MORTE DE PACHECO


A DISCRETA MORTE DE PACHECO
de Diego Rossi

Sentados num banco de praça. Dois amigos. Um trajado socialmente compenetrado em seu notebook enquanto o outro, barba por fazer, chinelo e bermudão. Enfim, curte a vida após anos de trabalho. Conversam em meio à aceleração do dia a dia. Muitas vidas passam na frente dos dois.

- Pacheco morreu. – diz o amigo de barba a fazer para o outro que estava mergulhado em seu mundo empresarial.
 - Quem é Pacheco? – pergunta desinteressado.
 - Ora, seu vizinho. Ou melhor. Era seu vizinho.
 - Meu vizinho se chama Pacheco? Achei que fosse Fonseca. – demonstra agora uma certa curiosidade.
 – Não, Fonseca é o jornaleiro da esquina.
 -  Mas, enfim, o que deu neste tal Pacheco?
 - Se matou, andava deprimido, sozinho.
 - Engraçado, achei que eu não tivesse vizinho.
 - Pois é.
 - Como era esse homem?
 - Careca, bigode, barriga saliente, adorava ler jornal na praça e jogar damas.
 - Ah! Já sei! Ele também conversava com as pombas?
 - Não, esse é o Clóvis, o padeiro. Pacheco acordava cedo e logo se dirigia a praça para ler as noticias. Era um sujeito muito simpático, mas ultimamente andava muito estranho.
 - Olha rapaz, eu lhe juro, eu nem imagino como possa ser esse sujeito.
 - Pois é. Seu vizinho. Um sujeito sozinho, depressivo.
 - E ninguém para ajudá-lo. – completa descaradamente. - Ninguém para ouvi-lo. Ou simplesmente perguntar: Como vai você?
 - Eu vou bem e você?
 – Não. Estou falando do Francesco. Ninguém para perguntar se ele estava bem. Isso me deixa indignado.
 - Quem é Francesco?
 - Ora, era o meu vizinho que se matou.
- Não é Francesco. É Pacheco.
 - Sim. Esse mesmo. É que tô fechando um negócio muito rentável com um empresário italiano cheio da grana. Confundi os nomes. Ninguém dava a minima pro homem. 
- Pro Francesco?
- Não, pro Pacheco.
 - Então se lembrou do coitado?
 - Pacheco? – coça a cabeça. – Pacheco? Tem certeza que ele morava aqui do lado?
- Engraçado, está falando como quem defende o moribundo e nem ao menos se lembra dele.
 – Estou me esforçando para lembrar. Mas não é fácil. Tantas pessoas cruzam o meu caminho diariamente que fica difícil...
 – Você nem sabia que tinha vizinho e agora está tomando as dores do falecido?
 - Estou sabendo agora. E justamente quando fico sabendo o sujeitinho morre. Não poderia ter esperado mais um pouco. Talvez o Pacheco pudesse ser o meu melhor amigo depois de você é claro.
- Sabe, quando eu encontrava com Pacheco na rua ele sempre me fazia uma pergunta.
- Qual?
- Perguntava se você era surdo?
- Ele me conhecia?
- Ele te cumprimentava todos os dias e você...
- E eu o que? – preocupado.
- Passava reto. Com uma pasta na mão esquerda e um celular colado no ouvido.
- O Pacheco me conhecia?
- O morto te conhecia. Pois pra você ele já estava morto há muito tempo.
 - Como era esse tal de Pacheco mesmo?
- Careca...bigode...gordo...simpático...educado...
 - Como sabe que ele morreu?
- Não só eu sei, como todo o bairro. Ele ficou dependurado sacada abaixo com uma corda no pescoço.
- Não acredito!
- Pois acredite, todo mundo viu, inclusive você.
 - Vi o que? – assustado.
- O morto!
- Eu vi? Quando?
- Nesta manhã. Ao sair de casa cumprimentou pela primeira vez Pacheco e pela primeira vez Pacheco não te cumprimentou.
- Por que em?
- Por que tava morto, oras!
- E como não percebi que tinha um morto na minha frente dependurado numa corda?
- Da mesma maneira que foi incapaz de trocar duas palavrinhas com seu vizinho durante os meses que morou ao seu lado. Está sempre fechado em seu mundo que tudo ao seu redor se torna irrelevante.
- E como sabe de tudo isso? Que eu não cumprimentei o morto?
- Tá vendo Maneco. Eu estava do seu lado e nem percebeu. Mas eu vi o morto - ênfase -  e chamei a policia enquanto você seguiu reto xingando não sei quem pelo celular.
- Era a minha namorada, Claudinha. Conseguiu estourar o limite do meu cartão de crédito.
- Dela você lembra, né?
 – Não é pra menos, veja o prejuízo que me deu. Comprou o Shopping inteiro.
–  Há tantas coisas para se olhar, para se fazer, há tantos momentos singelos e fugazes que nos oferecem a chance de amar verdadeiramente a existência de tudo e você...deixa pra lá. – dá um pequeno sorriso e corta o próprio assunto. – E você amigo, como está?
 - Vou indo. O mercado financeiro não está muito favorável aos meus negócios, mas pelo menos a empresa está de pé!
- Dê um tempo pro trabalho Maneco. Tira umas férias. Você trabalha tão excessivamente que não consegue nem saborear o fruto do seu trabalho.
 - Tem razão. Que tal uma cervejinha no Bar do João?
 - Só se for agora.
 - Então vamos.

Os dois se levantam do banco e de repente Maneco segura o amigo pelo braço.

 - Espera aí, esse Pacheco sentava sempre no mesmo lugar, na mesa dos fundos no Bar do João?
- Não, esse é Marildo, que traía a esposa com a Betinha. E também Pacheco não frequentava o Bar do João, ele tomava seu cafézinho no Bar do Zeca.
- Que sujeitinho mais discreto esse Pacheco, não?

FIM