A DISCRETA MORTE DE PACHECO
de Diego Rossi
Sentados num banco de praça. Dois amigos. Um trajado socialmente compenetrado em seu notebook enquanto o outro, barba por fazer, chinelo e bermudão. Enfim, curte a vida após anos de trabalho. Conversam em meio à aceleração do dia a dia. Muitas vidas passam na frente dos dois.
- Pacheco morreu. – diz o amigo de barba a fazer para o outro que estava mergulhado em seu mundo empresarial.
- Quem é Pacheco? – pergunta desinteressado.
- Ora, seu vizinho. Ou melhor. Era seu vizinho.
- Meu vizinho se chama Pacheco? Achei que fosse Fonseca. – demonstra agora uma certa curiosidade.
– Não, Fonseca é o jornaleiro da esquina.
- Mas, enfim, o que deu neste tal Pacheco?
- Se matou, andava deprimido, sozinho.
- Engraçado, achei que eu não tivesse vizinho.
- Pois é.
- Como era esse homem?
- Careca, bigode, barriga saliente, adorava ler jornal na praça e jogar damas.
- Ah! Já sei! Ele também conversava com as pombas?
- Não, esse é o Clóvis, o padeiro. Pacheco acordava cedo e logo se dirigia a praça para ler as noticias. Era um sujeito muito simpático, mas ultimamente andava muito estranho.
- Olha rapaz, eu lhe juro, eu nem imagino como possa ser esse sujeito.
- Pois é. Seu vizinho. Um sujeito sozinho, depressivo.
- E ninguém para ajudá-lo. – completa descaradamente. - Ninguém para ouvi-lo. Ou simplesmente perguntar: Como vai você?
- Eu vou bem e você?
– Não. Estou falando do Francesco. Ninguém para perguntar se ele estava bem. Isso me deixa indignado.
- Quem é Francesco?
- Ora, era o meu vizinho que se matou.
- Não é Francesco. É Pacheco.
- Sim. Esse mesmo. É que tô fechando um negócio muito rentável com um empresário italiano cheio da grana. Confundi os nomes. Ninguém dava a minima pro homem.
- Pro Francesco?
- Não, pro Pacheco.
- Então se lembrou do coitado?
- Pacheco? – coça a cabeça. – Pacheco? Tem certeza que ele morava aqui do lado?
- Engraçado, está falando como quem defende o moribundo e nem ao menos se lembra dele.
– Estou me esforçando para lembrar. Mas não é fácil. Tantas pessoas cruzam o meu caminho diariamente que fica difícil...
– Você nem sabia que tinha vizinho e agora está tomando as dores do falecido?
- Estou sabendo agora. E justamente quando fico sabendo o sujeitinho morre. Não poderia ter esperado mais um pouco. Talvez o Pacheco pudesse ser o meu melhor amigo depois de você é claro.
- Sabe, quando eu encontrava com Pacheco na rua ele sempre me fazia uma pergunta.
- Qual?
- Perguntava se você era surdo?
- Ele me conhecia?
- Ele te cumprimentava todos os dias e você...
- E eu o que? – preocupado.
- Passava reto. Com uma pasta na mão esquerda e um celular colado no ouvido.
- O Pacheco me conhecia?
- O morto te conhecia. Pois pra você ele já estava morto há muito tempo.
- Como era esse tal de Pacheco mesmo?
- Careca...bigode...gordo...simpático...educado...
- Como sabe que ele morreu?
- Não só eu sei, como todo o bairro. Ele ficou dependurado sacada abaixo com uma corda no pescoço.
- Não acredito!
- Pois acredite, todo mundo viu, inclusive você.
- Vi o que? – assustado.
- O morto!
- Eu vi? Quando?
- Nesta manhã. Ao sair de casa cumprimentou pela primeira vez Pacheco e pela primeira vez Pacheco não te cumprimentou.
- Por que em?
- Por que tava morto, oras!
- E como não percebi que tinha um morto na minha frente dependurado numa corda?
- Da mesma maneira que foi incapaz de trocar duas palavrinhas com seu vizinho durante os meses que morou ao seu lado. Está sempre fechado em seu mundo que tudo ao seu redor se torna irrelevante.
- E como sabe de tudo isso? Que eu não cumprimentei o morto?
- Tá vendo Maneco. Eu estava do seu lado e nem percebeu. Mas eu vi o morto - ênfase - e chamei a policia enquanto você seguiu reto xingando não sei quem pelo celular.
- Era a minha namorada, Claudinha. Conseguiu estourar o limite do meu cartão de crédito.
- Dela você lembra, né?
– Não é pra menos, veja o prejuízo que me deu. Comprou o Shopping inteiro.
– Há tantas coisas para se olhar, para se fazer, há tantos momentos singelos e fugazes que nos oferecem a chance de amar verdadeiramente a existência de tudo e você...deixa pra lá. – dá um pequeno sorriso e corta o próprio assunto. – E você amigo, como está?
- Vou indo. O mercado financeiro não está muito favorável aos meus negócios, mas pelo menos a empresa está de pé!
- Dê um tempo pro trabalho Maneco. Tira umas férias. Você trabalha tão excessivamente que não consegue nem saborear o fruto do seu trabalho.
- Tem razão. Que tal uma cervejinha no Bar do João?
- Só se for agora.
- Então vamos.
Os dois se levantam do banco e de repente Maneco segura o amigo pelo braço.
- Espera aí, esse Pacheco sentava sempre no mesmo lugar, na mesa dos fundos no Bar do João?
- Não, esse é Marildo, que traía a esposa com a Betinha. E também Pacheco não frequentava o Bar do João, ele tomava seu cafézinho no Bar do Zeca.
- Que sujeitinho mais discreto esse Pacheco, não?
FIM